LEIA UM TRECHO DO LIVRO.....
Amanda Reis olhou pelo bioplastico da carlinga do Veltrons e admirou a paisagem com os olhos brilhantes. O quadro que aparecia na sua frente era de uma beleza sem igual. O globo terrestre, quando visto da lua, preenche toda a visão do observador como se fosse uma imensa bola azul solta no espaço, mas agora, quando o seu carro começava a entrar no raio de ação da gravidade terrestre, aquele globo se transformou numa tela azul, repicada de branco, misturada como um mingau em um prato enorme.
Em instantes aquela imagem se transforma e, apesar do Veltrons estar com a sua velocidade de entrada no planeta controlada, freando a razão de mais 400 metros por segundo, a velocidade de entrada na atmosfera terrestre ainda é muito rápida. Dá para notar a liberação de algumas centelhas de energia envolvendo o casco da pequena nave. Em segundos o veículo é engolido para dentro da atmosfera terrestre. As asas retráteis do aparelho se estendem automaticamente para melhor dirigibilidade.
Ela já cruzou esta barreira muitas e muitas vezes, mas, a cada uma delas via um novo espetáculo, um mundo cheio de vida. Naquele momento sabia que o serviço automático de bordo já havia concluído a troca de informações com o espaço-porto da city e tudo se processaria conforme as coordenadas estabelecidas. A entrada no espaço aéreo do planeta era feita com segurança e precisão, pois o escudo protetor da cidade seria desativado, naquela coordenada, por milésimos de segundos, o bastante para o veículo passar a centenas de metros por segundo. Um erro, por menor que fosse, poderia custar a vida do ocupante do carro aéreo.
Os Veltrons trafegava neste espaço com muita segurança, além de permitir aos seus usuários autonomia de vôo terrestre ilimitado. Até pequenas viagens espaciais, como por exemplo, uma ida até a lua, onde existia a cidade administrativa lunar de Phoenix que controlava os espaços-porto terrestre, era possível ser feita com aquele mesmo veículo dentro da mais perfeita segurança. Desde o seu lançamento os acidentes acabaram.
--- Seja bem-vinda, doutora Amanda – disse, um rosto bonito na tela do tridimensional. --- É um prazer vê-la novamente. Tudo foi preparado conforme suas ordens - concluiu.
--- Obrigada, Ângelus. Sempre posso confiar em você – diz, a moça, com um sorriso. --- Você conseguiu entrar em contato com o doutor August?
--- Desculpe, senhora. O doutor August não foi encontrado em nenhum dos lugares que costuma freqüentar. Tentamos por todos os meios localiza-lo e nada, sem resultados – respondeu Ângelus.
--- Isso vai mal – disse, a moça. --- Muito mal. Mande preparar o quarto de hóspede, resolvi ficar por uns dias. Preciso descansar por algum tempo, estou morta de cansaço! – completa, enquanto desliga o aparelho.
Ela esqueceu-se do processo de pouso, que era automático e não dependia da presença humana. Era uma conversa entre máquinas que falavam a mesma língua. Seus pensamentos estavam agora no que o clone informou: August, de um momento para o outro, não era encontrado em lugar algum. De nada adiantou as suas recomendações anteriores para que ficassem de olho nele. Ela imaginou que isso iria acontecer, tão logo foi informada do resultado da reunião do conselho. Ele era o único elemento, por eliminação, que deveriam procurar. Afinal, foi ele quem desvendou o mistério da infertilidade humana.
Procurou reunir em sua memória as informações de que disponha a respeito do cientista. Notadamente ele era um homem interessante sob todos os aspectos. Indiscutivelmente um dos expoentes da ciência da humanidade, com atuação em muitas áreas. A sua última e maior contribuição para a sociedade humana era a descoberta do destino fatal que envolvia a todos. Agora esta outra notícia estarrecedora do prazo final. Ela não acreditava que o destino pudesse ser tão implacável duas vezes, e em tão pouco tempo. Foi o que ela pensou, hoje, logo após a reunião do Conselho dos Pares, quando recebeu a informação considerada secreta.
--- Disponibilizar dados sobre August Zoel – fala para o tridimensional. --- Dados completos – concluí, enquanto a tela do tridimensional começava a formar as imagens.
Ela conhecia aquelas informações. Havia estudado o dossiê meses antes, quando ele divulgou os primeiros dados do destino da humanidade. Conhecia-o pessoalmente de algumas reuniões, onde trocaram poucas palavras. Era um homem interessante. Bonito e jovial. Não fosse a sua vida tão agitada, ela teria dedicado mais algum tempo à sua pessoa. Naquelas ocasiões achou que haveria possibilidade de um envolvimento maior, apesar do rapaz ser um tanto arredio. Não poderia imaginar que, de um momento para o outro, ele teria uma participação importante no seu trabalho.
--- Mostrar dados referentes aos amigos e contatos – fala, novamente para o tridimensional. --- Todos contatos, inclusive os ocasionais – completa.
Durante aqueles instantes em que a máquina começava a mostrar as informações solicitadas, ela ficou imaginando o que a sociedade faria se descobrisse que alguns poucos privilegiados possuíam dados pessoais e tão íntimos de cada cidadão. A privacidade de cada um não existia na prática.
--- Ampliar informações sobre Azuarts Preitz – fala, enquanto olha com mais atenção um rosto jovial, com um sorriso nos lábios e olhar marcante, que estava no meio da tela de plasma. A imagem era de um jovem, talvez pouco mais de cento e cinqüenta anos, olhar seguro e intrigante. A formação acadêmica de bioquímico molecular, destaque em biologia humana, mais precisamente em química nano-molecular humana. --- Bom quadro, típico cdf – fala, consigo mesma.
--- Cruzar dados de amigos comuns, August Zoel e Azuarts Preitz – fala, novamente para o centro de processamento do tridimensional.
--- Informações coincidem com apenas um nome em comum, fora do ciclo profissional dos dois elementos – diz, a voz impessoal do computer. Trata-se de Thaymy Yashimoto, formada pela escola de comunicações da Cidade Lunar. Não trabalha para nenhum órgão governamental ou civil. Vive de rendas de patentes deixadas por antepassados japoneses. Não constam outras informações a seu respeito – completa, a máquina.
--- Estranho, - disse, a moça – não existe mais nenhum dado a seu respeito? Como isso acontece?
--- É só o que consta em nossos bancos de dados. Não tenho informações a respeito desta lacuna em branco – responde a máquina.
O carro voador lentamente vai descendo rumo aos jardins da imensa casa rodeada de flores. Muros altos circundavam a casa, protegida por sistema de segurança, avisavam que os seus moradores não gostavam de visitas. Era uma residência típica daqueles que desejavam o isolamento. A Terra, depois que reduziu drasticamente a sua população, era um mundo imenso com poucos habitantes. Já não precisavam de cercas. Havia muita terra disponível. Mesmo assim, havia aqueles que se isolavam, por diversos motivos.
Finalmente, depois de um leve tremeluzir o veículo se imobilizou. O seu banco de memória havia cumprido as ordens que o seu ocupante havia determinado, tão o seu assento foi ocupado, uma hora e trinta minutos antes quando saiu da lua.
--- Bom-dia, doutora Amanda – disse, um velho japonês, de cabelos longos e grisalhos. Vestia uma túnica branca, traspassada por uma faixa vermelha, que lhe envolvia o corpo. Uma espécie de quimono de luta. ---Estamos felizes com o seu regresso.
--- É bom ver o seu rosto novamente, Takashi. Continua o mesmo! E você, Jânio, sempre ao lado do mestre, não é mesmo?
--- É um prazer vê-la, doutora. Sou antes de tudo um aprendiz da vida, e o mestre Takashi Ueda é o que ela tem de melhor.
--- Sei disso. Exatamente por isso é que enviei você para cá. Espero que tenha valido a pena.
--- O jovem Jânio é um excelente aluno. Para mim é um prazer ensinar para ele o que, mais cedo ou mais tarde, as suas próprias tendências o levaria descobrir. Só adiantamos o tempo.
--- É exatamente o que não temos, meu amigo. Tempo. Ele acabou.
--- Como...
--- Deixa, Takashi. Logo você vai entender. O doutor Dayan já chegou?
--- Não senhora! Há pouco ele avisou pelo tridimensional que iria demorar um pouco. Pediu que recebêssemos a senhora e a informasse que ele estará aqui para o jantar.
--- Mas, me conta Jânio, quais foram as últimas invenções do Takashi, que foi obrigado a testar?
--- O que ele faz é terrível, senhora! Não sei como consigo escapar de tantas armadilhas! Cada dia ele tem uma diferente!
--- Ótimo! É exatamente o que eu disse para ele fazer. Você precisa sobreviver, meu amigo. Senão, serei obrigada a incubar o Jânio II, o que eu não gostaria de fazer. Já me acostumei com o seu jeito, não quero outro para ser meu guarda-costas – disse, enquanto se dirige para a escada próxima. --- Vou para o meu quarto. Preciso de um descanso. Avise-me quando o doutor Dayan chegar – fala, desaparecendo dentro da casa.
*****
--- Olha que visão mais encantadora – disse, o homem de roupa justa e cintilante que entra no quarto de banho. --- Você continua cada dia mais bonita e deliciosa, garota!
--- Estava curiosa a respeito da maneira que você iria entrar. Que iria entrar, assim sem aviso, eu sabia – disse, ela com um sorriso, enquanto se levanta de dentro da banheira, deixando a espuma escorrer por suas curvas, mostrando toda a beleza do corpo escultural. --- Espero que esteja com saudades, porque eu estou, seu danado! Passe a toalha, por favor!
--- O dia em que deixar de desejar uma coisa tão louca como você, vou pedir para desintegrarem os meus átomos – fala, o outro, entregando a toalha, ao mesmo tempo em que pega a moça pela mão e a puxa para si. Sente a pele molhada unir com a sua, enquanto uma corrente elétrica circula entre eles. --- Gosto do teu cheiro! – diz, enquanto a beija.
Depois do desejo aplacado, os dois ficam deitados no chão do banheiro, abraçados e curtindo o momento de paz. Foi um amor selvagem, sem fronteiras. Amor que não pode esperar pelo convencional. Acontece em qualquer hora.
--- Não sei como fazer para me acostumar com a sua ausência. Cada dia que passa tenho vontade de entrar no Veltrons e subir até lá – diz, Dayan, apontando para o alto, indicando a lua, muito alem do teto de bioplastico.
--- E eu? Você acha que me satisfaço com aquele clone que me enviou? Não, meu bem! Dentro de mim sei que não é você!
--- Pode deixar. Qualquer dia vou fazer-lhe uma surpresa! Vou substituí-lo! Quero ver se você descobre.
--- Ah! Meu caro, faça isso! Faça! Vai descobrir que com ele eu sou muito mais maluca do que com você. Faço sempre assim... ai...ai..aiiiiiiiii – ri da brincadeira.
--- Você brinca, mas eu não duvido. Vai ver que é assim mesmo!
--- Seu bobinho! Deixa de ser tolo. É claro que com ele, a coisa é mecânica, só para satisfazer.
--- Você conseguiu as informações que precisamos? – disse, o homem, se levantando e mudando de assunto, enquanto entra debaixo do secador. A ducha de ar seco e quente percorre o corpo secando-o rapidamente.
--- Estamos trabalhando para isso. Estou curiosa. Estão acontecendo alguns fatos estranhos. Um dos contatos de August é uma moça, descendente de japoneses, chamada Thaymy. Na central não temos, praticamente, nenhuma informação sobre ela. Isso nunca aconteceu.
--- Você sabe que neste ramo não somos os únicos – diz, Dayan, enquanto entra no vestuário plasmático. O aparelho imediatamente, após o ingresso em seu interior, começa a pulverizar sobre a pele nua do homem uma espécie de líquido que gruda suavemente em sua superfície, tomando a forma do corpo. --- Azul celeste – diz, o homem, e a roupa muda de cor.
--- Você acha que o pessoal da AMATAR está por detrás, desta falta de informações sobre essa moça?
--- Muito provavelmente. Eles não estão mortos! Com certeza terão outros infiltrados no meio dos amigos do rapaz. Desde que ele se tornou uma figura importante devem ter tomado algumas providencias.
--- Não acredito. Não neste caso. Pelas poucas informações que consegui reunir, ela pertence ao ciclo de amizade dele e daquele outro amigo, o Azuarts, há bastante tempo.
--- Então podemos procurar mais informações. Se não for o pessoal da AMATAR, precisamos descobrir quem é o responsável por ela.
--- Estou trabalhando nisso.
--- Ótimo! Tenho algumas novidades para você. Recebi informações precisas de que Julius Said está procurando por August.
--- Isto não é novidade. Metade do planeta procura por ele. Ele simplesmente desapareceu ou não quer conversar com ninguém.
--- Isto é óbvio, minha cara. Também, se tivesse na pele dele, procuraria ficar um tanto escondido. Sabe quem é, realmente, o Julius Said? – fala, mudando de assunto.
--- Claro! Quem não sabe! É bisneto de Julius Said I, o descobridor da ducha celular. O pai da longevidade humana.
--- Não é só isso. Ele é o detentor de um segredo que, por enquanto, é só dele.
--- Mesmo? Qual!
--- Se eu soubesse, não seria segredo. Pelo menos para nós, não seria. O relatório que temos sobre a família dele, é antigo e completo. Acompanhamos as atividades alguns membros do clã há mais de três séculos. Existe muita coisa estranha com eles. São ricos e donos de um patrimônio invejável e, praticamente, isentos de participação nos destino da Terra, quando, se quisessem, poderiam ter lugar reservado.
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