Aquela caixa preta, com um grande vidro na
frente e o formato de uma lente de óculos, meio embasada,
de repente começou brilhar, mostrando milhares de pinguinhos
de luz. Em poucos segundos apareceu a imagem de uma mulher segurando
um telefone.
--- Alô? 2 - 5499- disse ela, enquanto
fazia uma cara assustada - bom dia!
--- Perdoa-me, foi engano - falou uma voz no
telefone enquanto cortava a ligação.
Em seguida a imagem mostrava somente o telefone
pendurado na mão da mulher e um som insistente enchia
os ouvidos dos espectadores - tumm - tummm - tummm.
"--- Não percam o próximo
episódio de: 2 - 5499 Ocupado! A novela da sua TV Excelsior!
- e a musica de um comercial começa a ser cantada."
Ao redor da mesa, onde aquela caixa preta chamada
de televisão estava ligada, havia quase cinqüenta
pares de olhos pregados na tela. Todos em silêncio, presos
à magia máquina que conseguia trazer a imagem
das pessoas e coisas, como se elas estivessem ali, na nossa
frente! Ninguém dizia uma palavra e, se falasse, mesmo
na hora do comercial, era imediatamente convidado a se retirar.
Esse convidado a se retirar - a bem dizer - era gritado em altos
brandos, sem direito a retorno. Era uma punição
para servir de exemplo aos outros assistentes presentes. Ali
quem falava era a caixa preta! Aquela honra de estar ali, assistindo
uma televisão, que somente uma e cada cinco mil casas
possuía, era uma cortesia do "Palácio da
Sujeira", como era conhecido aquele bar/restaurante feito
de tábuas em meio a um amaranhado de barracos da invasão
da Velhacap, em Brasília.
Estamos em Brasília, e é setembro
de 1963. O clima estava seco, e as tábuas dos barracos
rangiam com o barulho dos ventos, como um aviso de que poderia
arder em chamas a qualquer momento. Aliás, há
poucos dias, o fogo lambeu as paredes do Palácio da Sujeira,
depois de engolir mais da metade dos barracos que ficava à
sua direita. Faltou pouco para acabar com a nossa festa. Era
uma noite de agosto, mês do cachorro louco, o mês
em que os ventos da nova capital mais pareciam furacões.
Os incêndios que ocorriam todo o dia na cidade, tinham
a cara do inferno. Acontecia o tempo todo.
"--- Acorda, seu Chico! - gritou uma voz
masculina, enquanto esmurrava a porta do nosso barraco. ---
Tá pegando fogo!"
Meu pai deu um pulo da cama, passando como
um raio pelo quarto do meu irmão e eu, e disparou em
direção daquele grito. Nosso barraco, também
pertencente ao amontoado de barracos invadidos, ficava distante
a pouco menos de quatro portas do Palácio da Sujeira,
e o incêndio estava quase lambendo as paredes secas do
restaurante. Ele ficou em pânico só de imaginar
que o que havia conseguido construir, comprar, estava prestes
a virar cinzas!
Era mais de duas horas da madrugada quando
aquele grito anônimo saiu de porta em porta acordando
todo mundo, para salvarem o que tinha e ajudar a apagar o fogo.
O prejuízo seria de todos, se o fogo prosseguisse. Naquela
hora, antes mesmo de colocar a família em lugar salvo,
meu pai, num arroubo de loucura fantástica, olhou para
a única peça de valor do nosso barracão:
uma geladeira Clímax. Ela pesava quase 150 quilos, mas
ele não levou isso em consideração e nem
o fato de ser um homem que não estava acostumado a levantar
grandes pesos. Agarrou-a com as mãos, como duas tenazes
poderosas, e com uma força que jamais pensou possuir,
e a levou para o outro lado da rua, onde a depositou em segurança.
Depois voltou e nos ajudou a chegar onde havia depositado a
geladeira. Agora podia ajudar os outros! E ele partiu para ajudar
no combate ao fogo. Na minha memória, essa visão
de ver o meu pai, feito um Hulk moderno, quebrando todas as
marcas de levantamento de peso, atravessando a rua com aquele
pacote branco preso entre os seus braços, ainda está
intacta e vai ficar ali eternamente. Foi algo fantástico
e inesplicável, aquela força! Depois que passou
o susto e o incêndio foi apagado, ele nem conseguiu aluí-la
do lugar. Foi preciso a ajuda de mais dois homens para levá-la
de volta para ao nosso barraco, agora a salvo. Ele não
conseguiu explicar com conseguiu levantar e carregar aquele
peso sozinho. Coisas que a mente nos permite fazer numa hora
de desespero.
Mas voltando ao Palácio da Sujeira,
naquela noite de setembro, no meio de uma fileira de meninos
que também estavam ali assistindo a TV, eu permanecia
em silêncio, muito mais compenetrado do que os outros
meninos. Não havia visto nem uma imagem do que estava
passando na caixinha mágica. Não estava ali para
ver a TV, ela não me interessava muito. Meus olhos estavam
presos no sorriso de dentes grandes e brancos de Maria Tereza,
a empregada do Palácio, que naquele momento parecia uma
estátua olhando a TV com os olhos arregalados de curiosidade.
Era como se a aventura estivesse acontecendo com ela.
A moça deveria ter uns 18 anos, um metro
e setenta de altura, pele parda, quase morena jambo, com cabelos
longos e lisos que iam até a cintura. Aqueles cabelos
negros, de fios grossos ficavam enrolados em suas mãos,
colocados na boca, jogados para trás, enquanto ela explodia
de alegria numa cena da novela. O vestido dela era feito de
um pano fino, com algumas flores pequenas estampadas, e delineava
as curvas do corpo perfeito. Eu ficava implorando aos céus
para que ele rasgasse, bem no meio dos bicos enormes dos seios
grandes que ela, vez por outra, passava a mão, como para
verificar se eles ainda estavam ali. Claro que estavam! Estavam
e pediam a minha boca, que ficava cheia d'água só
de imaginá-los nas mãos. Naquela época
eu não tinha a mínima noção do prazer
que é o de chupar um peitinho, desses durinhos com os
de Maria Tereza, que queriam virar mamadeira! Mas eu não
tinha dúvidas que queria agarrar, mamar, morder aquilo
tudo! Ficava ali todas as noites, fingindo ver a TV, só
para ver Maria Tereza e esperar a hora em que ela ia tomar o
seu banho!
A garota morena jambo, era bonita, e tinha
um sorriso cativante e uma sensualidade, que de longe fazia
explodir os feromônios masculinos. Era rápida ao
andar, ria muito e levava tudo na brincadeira. Aquele corpo
ainda não explorado passava o dia todo andando de mesa
em mesa, deixando aqueles pobres candangos maltrapilhos, tarados
com vontade de agarrá-la. Mas ela saía-se muito
bem. Brincava com um, com outro, fingia que não havia
ouvido a piada suja, mas por dentro ria da cara de todos. Ela
não queria ficar ali e terminar os seus dias como uma
empregada doméstica. Queira ir para São Paulo
e virar atriz, ela me disse um dia.
Naquele instante, como que ouvindo meus pensamentos,
ela olhou em minha direção de deu um sorriso de
cumplicidade. Pensava que eu estava ligado à trama que
desenrolava na tela da TV. Mas meus olhos estavam presos no
corpo dela e no grande relógio pendurado na parede, no
fundo do salão. Faltavam 5 minutos para as nove horas
da noite: Hora do banho!
Meu coração começou a
disparar. Era sempre assim. Eu ficava ansioso e daquele momento
em diante só olhava para o relógio. Todo dia,
as nove, assim que terminava a sessão da novela, a moça
encerrava o seu dia de trabalho no Palácio da Sujeira
e corria para os fundos do barracão, para tomar o seu
banho de bacia. O maior espetáculo que os meus olhos
haviam visto!
Nesse meio tempo eu já estava longe
daquele pessoal. Tinha saído alguns segundos antes, bem
cronometrados, só para ver a Maria Tereza se preparar
para entrar na bacia. Naquela época todo mundo tomava
banho de bacia, não havia chuveiros, pelo menos em casas
como a minha. Ela tinha um ritual que se repetia sempre. Chegava
ao quarto, acendia a lamparina que enchia o lugar com uma luz
mágica, forrava o chão com um pano, e colocava
a grande bacia sobre ele. Em seguida, despejava a água
fria, que já estava ali à espera, e voltava para
buscar a lata de água quente para temperar o banho. Eu
ficava assistindo tudo isso, com o coração querendo
sair pelos ouvidos, imaginando o momento a seguir. Então
ela fechava a porta, e de contraluz, tirava o vestido pela cabeça
deixando a enorme bunda, brilhando à luz da lamparina
para os meus olhos.
Ela colocava um pé na água, para
experimentar a temperatura, soltava um --- "Uiiii!"-
e depois entrava na bacia devagarzinho. O prazer que ela colocava
no rosto até hoje nunca vi alguém sentir. Era
como se naquele momento ela fosse para outro lugar, outro mundo,
só dela. Dela e meu que ficava vidrado no espetáculo
todos os dias.
Essa aventura estava acontecendo há
mais de 15 dias e eu, como espectador privilegiado comecei a
me sentir sozinho! Precisava encontrar alguém para dividir
o prazer! -- Que burrice! E digo daqui do nosso ano 2008 para
o Valdir, de 1963! - Cara! Pra que dividir um bolo tão
gostoso? Mas isso seria hoje, naquela época ainda não
tinha a malícia que os anos trazem, não imaginava
a catástrofe que viria a seguir. Contei o meu mais preciso
segredo ao meu amigo Hugo. Cara de confiança, com quem
costumava sair para ficar babando nas gatinhas da nossa vila.
Era meu amigo do peito.
--- Cê tá brincando! - falou ele
com os olhos querendo sair das órbitas. --- Viu mesmo?
Como ela é? Conta! Diz como é o corpo dela! Será
que...
--- Ei, cara! Vá com calma - disse eu,
cheio de poder. Afinal era o único que havia visto Maria
Tereza pelada. --- Tá pensando o quê? Acha que
estou mentindo?
--- Não, meu irmão, nada disso!
Quero ver também!
--- Nem pensar! Tá louco? Se ela descobre
vai ser o fim do meu show!
--- Sou seu amigo, ou não sou? Lembra
quando peguei a Isabel? Lembra? Pois é, contei para você
e levei para ver como é que é!
--- Mas não me deixou chegar perto!
Só você pegou nela!
--- Mas levei, num levei?
--- É levou - tive que concordar.
Ele havia agarrado a |Isabel, assim meio a
força e passou a mão bem no meio das pernas dela.
Ela deu um grito, xingou ele de tudo quanto é nome, e
saiu correndo. Mas no outro dia estava de papo com ele na hora
do recreio na escola. Certamente o deixou pegar outras vezes.
Podia ser que sobrasse algo para mim. Era uma troca justa! (
? )
--- Tá certo, vou te levar, mas bico
calado! Ninguém, além de nós dois, pode
saber! Entendeu?
--- Entendi! - disse Hugo, com um sorriso de
satisfação no rosto.
Ainda me lembro que naquela noite, mesmo antes
dos minutos finais, ele me "cotucou" as costelas.
--- Vamos! Tá na hora!
--- Espera. A novela ainda não acabou.
Se a gente sair agora todo mundo vai notar! Fica quieto! - completei,
autoritário. Ele tinha que compreender que quem dava
as cartas era eu! Não faz barulho, senão vai ser
expulso daqui!
--- Que chato! - resmungou, enquanto dava uma
espiada em Maria Tereza. Ele não estava agüentando
de tesão.
A novela acabou e nós dois fomos caminhando
na direção dos fundos do Palácio da Sujeira,
como quem nada quer além de uma cama. Mas tão
logo os outros desapareceram na escuridão da noite, corremos
para a grande greta que se estendia de um lado ao outro da madeira
do quarto de Maria Tereza. Ainda conseguimos chegar a tempo
de vê-la, soltando o seu famoso: --- Uiii! Tá quente!
- falou enquanto entrava na bacia com o rosto prenunciando uma
alegria sem fim.
Hugo estatalou os olhos que ficaram abertos
feitos duas grandes jabuticabas, quando viu ali, na sua frente,
a pouco mais de um metro de distância, aquele grande triangulo
negro de cabelos encaracolados da buceta de Maria Tereza. Era
uma mata negra, de fios impenetráveis que agora, que
ela se levantou e jogou água pela cabeça, deixava
uma cascata de água fluir por entre os seus fios como
uma grande cachoeira. Assim ficamos ali, com a respiração
querendo sair pela cabeça, com os nossos pequenos cacetes
duros feitos pedras, vendo aquele monumento se ensaboar, ensaboar,
ensaboar, por vários minutos, e depois se enxaguar. Até
que ela se levantou, apanhou a toalha e se enxugou calmamente.
Depois disso, ela derramou a água por entre as tábuas
do piso de madeira, encostou a bacia na parede, desenroscou
o corpo da toalha e nos deixou ver novamente aquele corpo, por
inteiro, por alguns segundos antes de apagar a lamparina para
se deitar e sonhar com os anjos.
O Hugo e eu, saímos em silêncio,
procurando não fazer nenhum barulho, para não
denunciar a nossa presença. Mas a gente nem estava pensando
muito nisso. Só imaginávamos como seria pegar
naquela pele e sentir o sorriso dela bem pertinho do nosso rosto.
Sonhos que nunca se realizariam. O Hugo foi caminhando em direção
à sua casa, trocando as pernas, bambas de tanto tesão,
enquanto que eu, mesmo acostumado a ver aquele espetáculo
há tantos dias, ainda virei o rosto para trás,
para mandar um beijo de amor, em direção ao quarto
da morena jambo.
--- Dorme, coisa linda! - pensei, enquanto
corria pelos becos da vila para chegar em casa. Se demorasse
muito teria que dar explicações ao meu pai.
Naquela noite sonhei que Maria Tereza me abraçava, beijava
meu rosto, e dizia:
--- Menino lindo! Dorme comigo!
Outro dia, a mesma novela, o mesmo público,
mas, olhando melhor não vi nenhum dos outros meninos
que assistiam a novela A Pecadora. Nem me preocupei com eles.
Só olhei para Maria Tereza e sorri de volta para ela,
meio sem jeito, quando ela me olhou de maneira estranha, mas
gostosa de sentir. Fiquei meio atrapalhado, e disfarcei.
Nove horas, a novela acabou e eu, seguindo
o ritual de sempre, caminhei com passos medidos em direção
aos fundos do barraco para ver Maria Tereza tomar banho. A noite
estava com um céu limpo, cheio de estrelas e a greta
da tábua do quarto de Maria Tereza estava toda ocupada
com mais de dez pares de olhos esperando o espetáculo.
Naquela hora aprendi uma lição
que nunca esqueci. Divida com seu amigo tudo que tiver, menos
a mulher dos seus sonhos! Não sei o que senti realmente,
mas foi algo como se tivessem tirado o chão dos meus
pés ao saber que o meu segredo havia sido partilhado
para todos os garotos da vila. Nunca mais haveria banho de Maria
Tereza!
--- Cuidado, Maria Tereza! Estão olhando
você tomar banho! - foi o grito que soltei, enquanto jogava
uma pedra no telhado, para alertá-la da invasão!
Foi uma correria de meninos por todos os lados, cada um querendo
correr mais do que o outro. Não queriam ser pegos com
a boca na botija.
No outro dia, bem cedo passei no local do crime e vi com tristeza
que a grande rachadura que havia na tábua do quarto de
Maria Tereza estava tampada, coberta de um lado ao outro com
uma grossa ripa de madeira. O Show acabou!
A noite, mesmo com medo se ser descoberto,
não resisti a tentação e fui novamente
ao Palácio da Sujeira assistir a novela. Tudo estava
igual há todos os dias, menos os espectadores que havia
diminuído sensivelmente. Para falar a verdade o único
menino que estava no salão, era eu.
Cinco para as nove, Maria Tereza se levanta,
prenunciando o mesmo ritual de sempre, e olha em minha direção
com um sorriso. Fiquei ali, sentado no meu banco, vendo as pessoas
saírem e sem saber o quer fazer. Até o dia anterior
sabia o que deveria fazer, mas hoje não havia destino.
--- Vou deixar a porta destrancada, Valdir!
Não demore! - Ela sussurrou aos meus ouvidos, bem pertinho
do meu rosto, enquanto se dirigia para os fundos do barraco.
Eu, com as pernas bambas, ainda sem acreditar no destino, sabia
para onde ir!
Vendo Maria Tereza tomar banho, agora, de
dentro do quarto dela, sentado na cama convidativa, eu era o
mais feliz dos mortais. Ela, entre risos da minha timidez, confessou
que desde o primeiro dia que olhei pela greta da tábua,
sabia que eu estava ali. Os meus olhos verdes haviam refletido
na luz da lamparina. Ela havia feito aqueles shows só
para mim, sonhando no momento em que eu arrumaria a coragem
para entrar no quarto! (depois dizem que sorte não existe!)
Agora, sentindo os respingos da água
no meu rosto e vendo o sorriso dela, prometendo se juntar a
mim, assim que eu terminasse de esfregar as suas costas, sentia
que a minha vida começava naquele momento!
--- A vida é Bela!
Valdir R. Silva
27/10/2008 08:25 hs.
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